ENERGIA LIMPA
Microalgas: os biocombustíveis do futuro?
Maria Lúcia Ghirardi, brasileira e cientista-chefe do NREL – Laboratório Nacional de Energias Renováveis, da Escola do Colorado, nos EUA, diz que, na próxima década, veremos, no mercado, biocombustíveis feitos a partir de microalgas. Nos Estados Unidos, todas as companhias de petróleo têm investido, ainda que em pequena escala, no desenvolvimento do ramo
Thays Prado - Edição: Mônica Nunes
Planeta Sustentável - 27/07/2010
Microalgas são organismos unicelulares capazes de realizar fotossíntese, aproveitando a luz solar e absorvendo CO2 para sintetizar a própria biomassa. Exatamente por conta dessa definição, elas têm sido visadas, nos últimos anos, por diferentes setores, especialmente para a produção de biocombustíveis.
Nas usinas de açúcar e álcool, é possível utilizar a vinhaça – um subproduto poluente da produção do etanol – na produção de biodiesel de microalgas, que pode ser aproveitado nos próprios equipamentos do local.
Elas também são importantes para o seqüestro de CO2, o que tem atraído o interesse de indústrias muito poluidoras, como as cimenteiras, e as termelétricas. Quando as chaminés são conectadas a tanques de cultivo de microalgas, elas consomem o carbono em seu processo de fotossíntese.
A aviação também pretende apostar no bioquerosene a partir de microalgas dentro de alguns anos. Além disso, elas podem ser utilizadas em Estações de Tratamento de Esgoto, consumindo os nutrientes encontrados nos efluentes e contribuindo para a sua despoluição.
O número crescente de possibilidades de utilização das microalgas estimulou o Instituto Ekos a promover, com o apoio da Algae Biotecnologia, o 1º Seminário Microalgas: utilização de microalgas para produção de biocombustíveis, sequestro de carbono e tratamento de efluentes, no último dia 21 de junho. A brasileira Maria Lúcia Ghirardi, cientista-chefe do NREL – Laboratório Nacional de Energias Renováveis, da Escola do Colorado, nos Estados Unidos, foi a convidada de honra do evento.
Ela conversou com o Planeta Sustentável sobre a nova promessa no mundo dos biocombustíveis. Para a pesquisadora, entre os próximos cinco e dez anos, produtos à base de microalgas vão ganhar escala industrial. Por enquanto, os cientistas ainda possuem desafios a vencer em suas pesquisas com o material.
As microalgas atraíram a atenção do mercado nos anos 70 e, agora, em meados da última década. Qual a razão dessa retomada de interesse?
De fato, as microalgas foram alvo de muitas pesquisas após a primeira crise do petróleo, de 1970. E a fotossíntese é, realmente, um processo muito promissor para a obtenção de produtos energéticos. Mas, na época, não se chegou aos resultados esperados muito rapidamente e houve uma perda de interesse pela energia renovável de modo geral – pelo menos nos Estados Unidos. Por volta de 1995, 1996, o governo parou de investir no setor.
Agora, esse interesse voltou mais uma vez. Imagino que isso se deva tanto à volta dos altos preços do petróleo, quanto à preocupação com as mudanças climáticas, o aquecimento global. A diferença entre 30 anos atrás e agora é que, nesse meio tempo, foram desenvolvidas várias ferramentas genéticas capazes de entender melhor a biologia desses organismos e, mesmo, de manipulá-los para a obtenção de maior produtividade.
Atualmente, estamos em uma posição melhor, com mais capacidade para estudar e sintetizar produtos bioenergéticos.
Além dos Estados Unidos, que outros países estão avançados em termos de pesquisas nessa área?
A aplicação de microalgas é muito avançada em Israel, que tem um programa de cultivo de algas muito grande. Eles desenvolveram conhecimento e tecnologia avançados, que eu acredito que os Estados Unidos ainda não têm. Estamos aprendendo muito com eles. Existem outros países que também estão investindo muito dinheiro nisso: os do Norte da Europa e a China, por exemplo.
É uma área que vai ter muito sucesso, apesar de não ser imediato. Ainda vai levar de cinco a dez anos, porque requer mais pesquisas e também uma mudança de atitude das pessoas, mas é algo que tem que acontecer, mais cedo ou mais tarde.
Quais os principais desafios em termos científicos e técnicos?
Há vários. O primeiro é a necessidade de aumentarmos a produtividade das algas, tanto em termos de lipídios, importantes para os biocombustíveis, quanto em termos de outros produtos, como o hidrogênio – considerado o combustível do futuro, pois não contém moléculas de carbono.
O segundo desafio é definir como será extraído o óleo dessas algas. E o terceiro é seu meio de cultivo. Há meios de cultivo mais baratos e outros, mais sofisticados, que são os fotobiorreatores. Cada um tem vantagens e desvantagens, e quando você começa a balancear os custos de cada processo, a resposta varia em função da localização geográfica desses reatores. Além disso, é importante observar que tipo de combustível elas produzem. Algumas são adequadas à produção de querosene e outras, de lubrificantes, por exemplo.
É possível cultivar as algas em qualquer lugar do mundo?
Em teoria sim, existem algas em todos os lugares do mundo, mas nem todas elas são adequadas à produção de biocombustíveis. Muitas crescem devagar, outras produzem pouco óleo, e mesmo que se criem situações que induzam essa produção de óleo, algumas não respondem bem.
As algas brasileiras são viáveis para a produção de biocombustíveis?
Existem algas aqui que são viáveis. O Brasil tem a vantagem de estar em uma região tropical, que favorece o crescimento de vários tipos diferentes.
Quais são as vantagens dos biocombustíveis feitos a partir de microalgas em relação aos combustíveis fósseis e a outros biocombustíveis?
Ainda não fizemos uma comparação com o biocombustível de etanol, por exemplo, mas o que se extrai das algas é um combustível limpo, que, ao contrário dos combustíveis fósseis, não gera contaminação por enxofre e outros metais.
Uma das outras grandes vantagens é que existem algas que crescem em vários ambientes diferentes, inclusive em água parada, em água insalubre. Hoje, temos a ideia de integrar o uso de algas no tratamento de efluentes industriais, que cresceriam se alimentando dos nutrientes contidos nesse material, ao consumo de CO2, utilizado na realização da fotossíntese, e à extração do óleo para a produção de biocombustíveis. Quando se começa a integrar diferentes sistemas, o valor econômico do processo se torna mais vantajoso.
A quantidade de CO2 absorvida na fotossíntese chega a ser significativa? Isso poderia ser comercializado como crédito de carbono?
Não fiz esse cálculo ainda, mas imaginando o tamanho dessas companhias de biocombustíveis, creio que faça uma boa diferença.
Nos Estados Unidos, o desenvolvimento das pesquisas sofre algum tipo de impedimento por parte das empresas de combustíveis fósseis?
Eu não diria que há um impedimento. Eu diria que não há grande entusiasmo por parte das companhias de petróleo. Embora, nos Estados Unidos, todas elas façam algum investimento nessa área de microalgas, ainda é muito pouco quando comparado ao tamanho dessas companhias.
Você disse que, além dos aprimoramentos em termos de pesquisa, é necessário que as pessoas mudem de atitude para que os biocombustíveis realmente emplaquem. O que falta para fazermos essa transição de mentalidade?
Nos Estados Unidos ainda há muito ceticismo em relação ao aquecimento global, as pessoas ainda não se convenceram de que esse é um problema sério e de que é necessário mudar hábitos. Isso sim, eu vejo como um grande impedimento, não só para as microalgas, mas para o estabelecimento de energias limpas em geral. Enquanto não se vencer esse ceticismo, vai ser muito difícil consolidar as energias alternativas.
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